Cognição na Epilepsia do Lobo Temporal

Escrito por Cérebro e Afeto em 21/08/2017

A epilepsia é uma alteração temporária e reversível do funcionamento do cérebro e não secundária a outros fatores orgânicos. Durante alguns segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos que podem permanecer restritos a esse local ou espalhar-se. A definição de epilepsia também inclui as consequências biológicas, cognitivas e psicossociais desta condição (FISHER et al., 2005).

A epilepsia do lobo temporal é uma das síndromes epilépticas mais comuns, considerada de elevada prevalência e difícil controle medicamentoso, ou seja, apesar do uso adequado das medicações antiepiléticas o indivíduo continua a apresentar crises. Nestes casos, o local onde as crises se originam no cérebro está geralmente localizada em estruturas do lobo temporal (VELASCO et al., 2002). A cirurgia na área de origem das crises é uma alternativa para o tratamento da epilepsia. Podemos abordar mais sobre este tratamento num outro momento.

Os pacientes com epilepsia do lobo temporal podem apresentar prejuízos no processamento de memória declarativa, sejam elas de caráter verbal e/ou não-verbal, além de dificuldades em outras esferas da cognição (HOPPE et al., 2007). E é sobre isso que este texto vai tratar.

Uma análise retrospectiva, com 3193 pacientes entre o período de 1989-2006 do Centro de Bonn (Alemanha), realizada por Hoppe et al. (2007), mostrou que pacientes com epilepsia focal apresentavam distúrbios nas funções de memória, sendo que 70% deles eram pacientes com epilepsia do lobo temporal que mencionamos antes. As dificuldades de memória, além de observadas através da testagem neuropsicológica, uma das ferramentas para avaliar esse tipo de déficit, também são queixas frequentes de pacientes com epilepsia refratária ao tratamento com medicação, sendo que mais da metade dos pacientes submetidos à avaliação cognitiva também demonstram esta mesma queixa espontaneamente (PONDS & HENDRIKS, 2006). Assim, é muito comum que pessoas nesta condição tenham queixas de memória para nomes, local onde guardam objetos, assuntos recentes, compromissos, principalmente se a origem da epilepsia for do lado esquerdo do cérebro.

Além disso, esses indivíduos podem apresentar distúrbios de atenção e concentração, alentecimento do processamento mental, dificuldades de linguagem (nomeação) e em funções executivas. Esta última e a memória são os déficits cognitivos mais observados nesses casos (PONDS & HENDRIKS, 2006; HENDRIKS et al., 2002).

No decorrer dos anos com crises recorrentes, os pacientes com epilepsia do lobo temporal podem evidenciar também desempenho prejudicado em testes psicológicos que avaliam a inteligência (JOKEIT; EBNER, 1999). Helmstaedter et al. (2003) sugeriu que a epilepsia do lobo temporal crônica é associada a um progressivo declínio de memória (HELMSTAEDTER et al., 2003), ou seja, essa condição poderia prejudicar as habilidades mnésticas deste indivíduos ao longo do tempo.

Trata-se portanto de uma condição muito específica, e que como qualquer outra ciência humana, de complexo estudo e difícil exatidão.

Algumas intervenções não farmacológicas podem auxiliar os indivíduos nesta condição, como por exemplo a Reabilitação Neuropsicológica. E sobre isso, teremos um texto em breve.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FISHER, R.S. et al. Epileptic seizures and epilepsy: definitions proposed by the International League Against Epilepsy (ILAE) and the International Bureau for Epilepsy (IBE). Epilepsia, v. 46, n. 4, p. 470-472, 2005.

 

HENDRIKS, M.P. et al. Memory Complaints in Medically Refractory Epilepsy: Relationship to Epilepsy-Related Factors. Epilepsy Behav, v. 3, n. 2, p. 165-172, apr. 2002.

 

HELMSTAEDER, C.; KURTHEN, M.; LUX, S.; REUBER, M.; ELGER, C. E. Chronic epilepsy and cognition: longitudinal study in temporal lobe epilepsy. Annals of neurology, v. 54, p. 425-432, 2003.

 

HOPPE, C. et al. Long-term memory impairment in patients with focal epilepsy. Epilepsia, v. 48, n. S9, p. 26-29, 2007.

 

JOKEIT, H.; EBNER, A. Long term effects of refractory temporal lobe epilepsy on cognitive abilities: a cross sectional study. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, v. 67, p. 44-50, 1999.

 

PONDS, R.W.; HENDRIKS, M. Cognitive rehabilitation of memory problems in patients with epilepsy. Seizure, v. 15, n. 4, p. 267-73, jun. 2006.

 

VELASCO, T.R. et al. Accuracy of ictal SPECT in mesial temporal lobe epilepsy with bilateral interictal spikes. Neurology, v. 59, p. 266-71, 2002

 


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